sexta-feira, 19 de novembro de 2010

20 DE NOVEMBRO



Quis eu, compor um samba que tivesse como inspiração o 20 de Novembro.
Esforcei-me o quanto pude, mas o samba que eu compuz, não quis cantar.
E logo eu soube o porque da rebeldia da minha criação:

“A Escravidão”

“Os homens são escravos da vida, e a escravidão marca os seus dias de vileza e suas noites de sangue e lágrimas.
Sete mil anos já se passaram desde o meu nascimento, e até hoje nunca vi senão escravos...
Percorria as terras do Oriente ao Ocidente, e conheci a luz e a sombra da vida, e contemplei a procissão dos povos na sua marcha das grutas aos palácios, mas nunca vi senão pescoços curvados sob os jugos e braços acorrentados e joelhos dobrados perante os ídolos.
Acompanhei os homens da Babilônia a Paris e de Ninive a Nova Iorque, e vi os traços de suas cadeias impressos na areia, ao lado das marcas de seus passos, e ouvi os vales e as florestas repetirem o eco das lamentações das gerações e dos séculos.
Visitei palácios e instituições e templos, e aproximei-me de tronos e altares e tribunais, e não vi senão escravos: vi o operário escravo dos comerciantes, e o comerciante escravo do militar e o militar escravo do governante, e o governante escravo do rei e o rei escravo do sacerdote, e o sacerdote escravo dos ídolos – e o ídolo: um punhado de varro, modelado pelos demônios e erguido sobre um montículo de crânios.
Acompanhei as gerações , da margens do Ganges ao desembocar do Nilo, ao Monte Sinai, às praças públicas na Grécia, às igrejas de Roma, às ruas de Constantinopla, aos edifícios de Londres, e vi a escravidão caminhar em toda parte: ora, oferecem-lhe sacrifícios e chamam-lhe deus; e ora vertem vinho e perfumes aos seus pés e chamam-lhe rei; ou queimam incenso ante as suas estatuas e chamam-lhe profeta; ou prosternam-se perante elas e as chamam-lhe lei; ou lutam e se massacram por ela e chamam-lhe patriotismo; ou submetem-se passivamente a ela e chamam-lhe religião; ou incendeiam e demolem suas próprias moradas por sua causa e chamam-lhe fraternidade e igualdade ou labutam e lutam para conquistá-la e chamam-lhe dinheiro e comércio...Pois ela tem muitos nomes mas uma só essência...
Uma das suas variedades mais estranhas é a escravidão cega, que solda o presente dos homens ao passado de seus pais e submete suas almas as tradições de seu avós, fazendo deles corpos novos para espíritos velhos e túmulos pintados para esqueletos decompostos.
E há a escravidão muda, que prende o homem a uma esposa que ele detesta, e prende a mulher a um marido que ela odeia, rebaixando-os ao nível da sola do sapato da vida.
E já a escravidão surda, que obriga os indivíduos a seguir os gostos de seu meio e a tomar sua cor e a adotar sua modas até que se tornem como os ecos da voz e a sombra dos corpos...
Quando me cansei de contemplar as procissões, sentei-me no vale das sombras e vi uma sombra magricela que caminha sozinha rumo ao sol. Perguntei-lhe:
- Quem és tu?
- Eu sou a Liberdade.
- E onde estão teus filhos?
- O primeiro morreu crucificado, o segundo morreu louco, e o terceiro ainda não nasceu..”

Gibran Khalil Gibran.

Um comentário:

  1. Grandes verdades. Adorei o texto! E faço minhas restrições quando se fala em liberdade aos 20 de novembro. Escravidão lícita. E a escravidão está sim, evidente naqueles que nasceram "livres". Os subalternos, escravos do poderio de seus superiores. Os superiores, escravos do poder, com inúmeras faces, ou máscaras!

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