domingo, 1 de abril de 2012

Pai,

Quando criança, eventualmente me perguntavam sobre você: - Paulo, o que o seu Pai faz? Que carro ele tem? "Paulo, por que você vem pra escola a pé?  Bem como às vezes eu era surpreendido com comentários do tipo: - Nossa, foi sua mãe quem encapou seus livros? Onde corta o cabelo?
Muitas vezes eu ouvia: - Como conseguiu fazer esse exercício da lição de casa?
Gostaria que eu pudesse ter dado as respostas que eles queriam ouvir, talvez devesse ter mentido apenas para não chamar atenção e pararem de me olhar torto a cada resposta.
Mas acontece que eu adorava ver a cara de confusão deles quando o que eu respondia não fazia sentido algum em suas cabeças. Você sabe por que? "Meu Pai? Meu Pai é Músico, meu Pai é Escritor, meu Pai é Mecânico, Pintor, Restaurador, Orador, meu Pai é Técnico em Informática..., Meu Pai não tem carro, mas ele me explica certinho como chegar em qualquer lugar e eu vou sozinho", "Foi meu Pai quem encapou os livros... mas os do ano passado. Corto cabelo em casa, meu Pai corta pra mim", "Fiz os exercícios com ajuda do meu Pai."
Quando cresci, as perguntas mudaram, mas eles continuaram querendo entender, e nem sempre as perguntas eram necessárias ser feitas a um negro. Mas, certa vez ouvi:
- Como é que você conseguiu tirar nota máxima no exame de bolsa? Por que importar-me tanto com isso quando a única coisa que me disse foi: - Eu já sabia que conseguiria, filho? Mas importava, porque só mais tarde eu lembrei da lição que você já tinha gravado em mim quando me disse: - Para nós negros, temos sempre que ser um pouco melhores.  Assim eu me tornei um pouco de tudo: Desenhista, Músico, Redator, Técnico em Informática, Enxadrista... Só porque você estava lá para me ensinar quando eu quis tentar ser cada um deles.
Hoje os pontos estão se conectando e a pergunta cada vez mais se repete, sempre a mesma: - Como você sabe fazer isso? E a resposta já é sempre a mesma... Por causa do meu Pai. Nós não tínhamos luxo nem conforto, é verdade. Não tínhamos nem onde dormir, lembra?
Você não me dava presente de Natal e nem de Aniversário, ma a maior riqueza que você tinha fez questão de me dar e com ela eu posso ir a qualquer lugar. Você me deu cultura, orientação, atenção e apoio, mas além de tudo você me deu o maior de todos os poderes: O conhecimento.

Parabéns pelo seu Aniversário
Do seu filho e fã
Paulo Camargo  

REFLEXÕES DE UM SONHADOR

Um menino de, um dia desses, completa, cinqüenta e nove anos. O tempo não devia passar, assim, tão rápido. Transitoriedade que na sua fúria de transformar o presente em passado, vai me privando de tantas companhias, suprimindo vigor físico, embaçando visão clara, contabilizando dados, minhas vitórias e derrotas. Nunca desejei ser imortal. Penso que não haveria, ganho nenhum no viver para sempre. Minha vontade, apenas se restringe na ânsia do ter melhor controle sobre a passagem do tempo no meu viver. Mas, essa equação do tempo é precisa. A mim não cabe, dela queixar-me, posto que sei que do mesmo modo em que as alegrias passam como relâmpagos, minhas tristezas e agruras, vêm e vão à mesma velocidade. Sinto a vida se comportar como a preparação do melaço de cana de açúcar, que o calor do fogo, faz evaporar a água, líquido veicular que pode conter, impurezas, mas, que também, leva, por todo o sempre, para nunca mais, alguns valores que vão se perdendo na evaporação que se impõe para virar essência, densidade adocicada, sabor único! Avizinha-se, num estalar de dedos, os meus sessenta anos. Olho para o futuro tentando visualizar como será? E, para a obtenção dessa resposta, recorro a um ensinamento budista que diz: “Quer saber do seu passado? Olhe o seu presente. Quer saber do seu futuro? Olhe o seu presente”. Então, ao olhar para o meu presente, como propõe o ensinamento, concluo que, valeu a pena! E, porque essa convicção emerge de dentro de mim? Por uma razão muito simples: Sei que a condição de combatente perseverante contra o violento estupro de valores sociais ao qual somos todos submetidos encontrará, sempre em mim, um adversário tenaz, incansável e destemido, jamais sendo conivente, passivo ou indiferente a esses tantos entulhos de decadência moral e ética que pipocam por todo canto a querer dissolver como o faz, poderoso ácido, o tecido social da nossa brava gente brasileira.