quarta-feira, 12 de março de 2014

TELA, TEXTO OU CANÇÃO.

Anos atrás, eu soube de uma avó, que aos setenta e dois anos de idade, produziu leite em seu peito para saciar a fome do seu netinho órfão de mãe que morreu no parto. No inverso, aos sessenta anos, vejo-me na pele desse órfão, razão pela qual, desde a minha gestação, lambo, sorvo, busco sorgo, colostro em todo o corpo da mulher que amo. Lambendo o sal da sua pele de seda. Sugando nos seios dela, toda lembrança que eu possa. Fabricar a substância mágica que nutri e produz sobrevida. Cuidados, carinho, presença de mulher na vida de um homem. Suco da excitação dela que busco, imitando as Araras e Papagaios que ingerem argila para digerir as toxinas da sua dieta.
Sim! Aprecio esse sumo capaz de reerguer um gigante, que dirá eu. V
ejo-me em falta, mesmo aos sessenta anos, do olhar de mãe quando ela me teve em seu colo. Sou vazio do leite de peito que não fez escorrer para mim, boca a dentro, nutrindo-me eficazmente, de modo que eu pudesse viver uma infância, adolescência e idade adulta, de uma maneira robusta e salutar.
Fui construído com pedaços de vontade. Migalhas de atenção. Sobras de afeto. Retalhos de uma mãe rasgada em muitas para tentar ser alguma. Desastres de percurso. E, ao que vejo, trago como Karma, as mesmas marcas de reedições a me exaurir as forças.

Quem disse que a história não se repete? 
Não, isso não é nem ser negativo, nem me fazer de vitima.
Não é não!

Imagino apenas, que eu deva falar, de peito aberto, das coisas que amarguei desde os primórdios da minha tenra existência.

Todo artista, arrasta como correntes pesadas em suas canelas uma mente veloz. Mente, semente da sua criação, inspiração e lirismo. Qual tela, texto ou canção não traz em seu corpo a mente de um artista.


Delta do Amazonas